quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Rezemos pelos fieis defuntos

CARTA SOBRE ALGUMAS QUESTÕES RESPEITANTES À ESCATOLOGIA 

 SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ

Esta Sagrada Congregação, que tem a responsabilidade de promover e de defender a doutrina da fé, propõe-se hoje recordar aquilo que a Igreja ensina, em nome de Cristo, especialmente quanto ao que sobrevêm entre a morte do cristão e a ressurreição universal.
1) A Igreja crê (cf. Símbolo dos Apóstolos), numa ressurreição dos mortos.
2) A Igreja entende esta ressurreição referida ao homem todo; esta, para os eleitos, não é outra coisa senão a extensão aos homens da própria Ressurreição de Cristo.
3) A Igreja afirma a sobrevivência e a subsistência depois da morte de um elemento espiritual, dotado de consciência e de vontade, de tal modo que o « eu humano » subsista. Para designar esse elemento, a Igreja emprega a palavra « alma », consagrada pelo uso que dela fazem a Sagrada Escritura e a Tradição. Sem ignorar que este termo é tomado na Bíblia em diversos significados, ela julga, não obstante isso, que não existe qualquer razão séria para o rejeitar e considera mesmo ser absolutamente indispensável um instrumento verbal para suster a fé dos cristãos.
4) A Igreja exclui todas as formas de pensamento e de expressão que, a adoptarem-se, tornariam absurdos ou ininteligíveis a sua oração, os seus ritos fúnebres e o seu culto dos mortos, realidades que, na sua substância, constituem lugares teológicos.
5) A Igreja, em conformidade com a Sagrada Escritura, espera « a gloriosa manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo » (cf. Const. Dei Verbum, I, 4), que ela considera como distinta e diferida em relação àquela condição própria do homem imediatamente depois da morte.
6) A Igreja, ao expor a sua doutrina sobre a sorte do homem depois da morte, exclui qualquer explicação com que se tirasse o seu sentido à Assunção de Nossa Senhora, naquilo que esta tem de único; ou seja, o facto de ser a glorificação corporal da Virgem Santíssima uma antecipação da glorificação que está destinada a todos os outros eleitos.
7) A Igreja, em adesão fiel ao Novo Testamento e à Tradição, acredita na felicidade dos justos que « estarão um dia com Cristo ». Ao mesmo tempo ela crê numa pena que há-de castigar para sempre o pecador que for privado da visão de Deus, e ainda na repercussão desta pena em todo o «ser » do mesmo pecador. E por fim, ela crê existir para os eleitos uma eventual purificação prévia à visão de Deus, a qual no entanto é absolutamente diversa da pena dos condenados. É isto o que a Igreja entende quando ela fala de Inferno e de Purgatório.
Pelo que respeita à condição do homem depois da morte, há que precaver-se particularmente contra o perigo de representações fundadas apenas na imaginação e arbitrárias, porque o excesso das mesmas entra em grande parte nas dificuldades que muitas vezes a fé cristã encontra. No entanto, as imagens de que se serve a Sagrada Escritura merecem todo o respeito. Mas é preciso captar o seu sentido profundo, evitando o risco de as atenuar demasiadamente, o que equivale não raro a esvaziar da própria substância as realidades que são indicadas por tais imagens.
Nem a Sagrada Escritura nem a Teologia nos proporcionam luzes bastantes para uma representação da vida futura para além da morte. Os cristãos devem manter-se firmes quanto a dois pontos essenciais: devem acreditar, por um lado, na continuidade fundamental que existe, por virtude do Espírito Santo, entre a vida presente em Cristo e a vida futura (a caridade, efectivamente, é a lei do Reino de Deus, e é pela nossa caridade aqui na terra que há-de ser medida a nossa participação na glória do Céu); por outro lado, os mesmos cristãos devem saber bem que existe uma ruptura radical entre o presente e o futuro, pelo facto de que à economia da fé sucede a economia da plena luz; ou seja, nós estaremos com Cristo e « veremos Deus » (cf. 1 Jo. 3, 2), promessa e mistério inauditos nos quais consiste essencialmente a nossa esperança. Se é certo que a nossa capacidade de imaginar não atinge isso, o nosso coração instintiva e profundamente tende para lá chegar.


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