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São Gabriel Arcanjo Padroeiro dos Meios de Comunicação Social |
«Comunicação ao serviço de uma
autêntica cultura do encontro»
[Domingo, 1 de Junho de 2014]
Queridos
irmãos e irmãs,
Hoje vivemos num mundo que está a
tornar-se cada vez menor, parecendo, por isso mesmo, que deveria ser mais fácil
fazer-se próximo uns dos outros. Os progressos dos transportes e das tecnologias
de comunicação deixam-nos mais próximo, interligando-nos sempre mais, e a
globalização faz-nos mais interdependentes. Todavia, dentro da humanidade,
permanecem divisões, e às vezes muito acentuadas. A nível global, vemos a
distância escandalosa que existe entre o luxo dos mais ricos e a miséria dos
mais pobres. Frequentemente, basta passar pelas estradas duma cidade para ver o
contraste entre os que vivem nos passeios e as luzes brilhantes das lojas.
Estamos já tão habituados a tudo isso que nem nos impressiona. O mundo sofre de
múltiplas formas de exclusão, marginalização e pobreza, como também de
conflitos para os quais convergem causas econômicas, políticas, ideológicas e
até mesmo, infelizmente, religiosas.
Neste mundo, os mass-media podem
ajudar a sentir-nos mais próximo uns dos outros; a fazer-nos perceber um
renovado sentido de unidade da família humana, que impele à solidariedade e a
um compromisso sério para uma vida mais digna. Uma boa comunicação ajuda-nos a
estar mais perto e a conhecer-nos melhor entre nós, a ser mais unidos. Os muros
que nos dividem só podem ser superados, se estivermos prontos a ouvir e a
aprender uns dos outros. Precisamos harmonizar as diferenças por meio de formas
de diálogo, que nos permitam crescer na compreensão e no respeito. A cultura do
encontro requer que estejamos dispostos não só a dar, mas também a receber de
outros. Os mass-media podem ajudar-nos nisso, especialmente nos nossos dias em
que as redes da comunicação humana atingiram progressos sem precedentes.
Particularmente a internet pode oferecer maiores possibilidades de encontro e
de solidariedade entre todos; e isto é uma coisa boa, é um dom de Deus.
No entanto, existem aspectos
problemáticos: a velocidade da informação supera a nossa capacidade de reflexão
e discernimento, e não permite uma expressão equilibrada e correta de si mesmo.
A variedade das opiniões expressas pode ser sentida como riqueza, mas é
possível também fechar-se numa esfera de informações que correspondem apenas às
nossas expectativas e às nossas ideias, ou mesmo a determinados interesses
políticos e econômicos. O ambiente de comunicação pode ajudar-nos a crescer ou,
pelo contrário, desorientar-nos. O desejo de conexão digital pode acabar por
nos isolar do nosso próximo, de quem está mais perto de nós. Sem esquecer que a
pessoa que, pelas mais diversas razões, não tem acesso aos meios de comunicação
social corre o risco de ser excluído.
Estes limites são reais, mas não
justificam uma rejeição dos mass-media; antes, recordam-nos que, em última
análise, a comunicação é uma conquista mais humana que tecnológica. Portanto
haverá alguma coisa, no ambiente digital, que nos ajuda a crescer em humanidade
e na compreensão recíproca? Devemos, por exemplo, recuperar um certo sentido de
pausa e calma. Isto requer tempo e capacidade de fazer silêncio para escutar.
Temos necessidade também de ser pacientes, se quisermos compreender aqueles que
são diferentes de nós: uma pessoa expressa-se plenamente a si mesma, não quando
é simplesmente tolerada, mas quando sabe que é verdadeiramente acolhida. Se
estamos verdadeiramente desejosos de escutar os outros, então aprenderemos a
ver o mundo com olhos diferentes e a apreciar a experiência humana tal como se
manifesta nas várias culturas e tradições. Entretanto saberemos apreciar melhor
também os grandes valores inspirados pelo Cristianismo, como, por exemplo, a
visão do ser humano como pessoa, o matrimonio e a família, a distinção entre esfera
religiosa e esfera política, os princípios de solidariedade e subsidiariedade,
entre outros.
Então, como pode a comunicação
estar ao serviço de uma autêntica cultura do encontro? E – para nós, discípulos
do Senhor – que significa, segundo o Evangelho, encontrar uma pessoa? Como é
possível, apesar de todas as nossas limitações e pecados, ser verdadeiramente
próximo aos outros? Estas perguntas resumem-se naquela que, um dia, um escriba
– isto é, um comunicador – pôs a Jesus: «E quem é o meu próximo?» (Lc 10, 29 ).
Esta pergunta ajuda-nos a compreender a comunicação em termos de proximidade.
Poderíamos traduzi-la assim: Como se manifesta a «proximidade» no uso dos meios
de comunicação e no novo ambiente criado pelas tecnologias digitais? Encontro
resposta na parábola do bom samaritano, que é também uma parábola do
comunicador. Na realidade, quem comunica faz-se próximo. E o bom samaritano não
só se faz próximo, mas cuida do homem que encontra quase morto ao lado da
estrada. Jesus inverte a perspectiva: não se trata de reconhecer o outro como
um meu semelhante, mas da minha capacidade para me fazer semelhante ao outro.
Por isso, comunicar significa tomar consciência de que somos humanos, filhos de
Deus. Apraz-me definir este poder da comunicação como «proximidade».
Quando a comunicação tem como fim
predominante induzir ao consumo ou à manipulação das pessoas, encontramo-nos
perante uma agressão violenta como a que sofreu o homem espancado pelos
assaltantes e abandonado na estrada, como lemos na parábola. Naquele homem, o
levita e o sacerdote não veem um seu próximo, mas um estranho de quem era
melhor manter a distância. Naquele tempo, eram condicionados pelas regras da
pureza ritual. Hoje, corremos o risco de que alguns mass-media nos condicionem
até ao ponto de fazer-nos ignorar o nosso próximo real.
Não basta circular pelas «estradas»
digitais, isto é, simplesmente estar conectados: é necessário que a conexão
seja acompanhada pelo encontro verdadeiro. Não podemos viver sozinhos, fechados
em nós mesmos. Precisamos amar e ser amados. Precisamos de ternura. Não são as
estratégias comunicativas que garantem a beleza, a bondade e a verdade da
comunicação. O próprio mundo dos mass-media não pode alhear-se da solicitude
pela humanidade, chamado como é a exprimir ternura. A rede digital pode ser um
lugar rico de humanidade: não uma rede de fios, mas de pessoas humanas. A
neutralidade dos mass-media é só aparente: só pode constituir um ponto de
referimento quem comunica colocando-se a si mesmo em jogo. O envolvimento
pessoal é a própria raiz da fiabilidade dum comunicador. É por isso mesmo que o
testemunho cristão pode, graças à rede, alcançar as periferias existenciais.
Tenho-o repetido já diversas vezes:
entre uma Igreja acidentada que sai pela estrada e uma Igreja doente de
auto-referencialidade, não hesito em preferir a primeira. E quando falo de
estrada penso nas estradas do mundo onde as pessoas vivem: é lá que as podemos,
efetiva e afetivamente, alcançar. Entre estas estradas estão também as
digitais, congestionadas de humanidade, muitas vezes ferida: homens e mulheres
que procuram uma salvação ou uma esperança. Também graças à rede, pode a
mensagem cristã viajar «até aos confins do mundo» (At 1, 8). Abrir as portas
das igrejas significa também abri-las no ambiente digital, seja para que as
pessoas entrem, independentemente da condição de vida em que se encontrem, seja
para que o Evangelho possa cruzar o limiar do templo e sair ao encontro de
todos. Somos chamados a testemunhar uma Igreja que seja casa de todos. Seremos
nós capazes de comunicar o rosto duma Igreja assim? A comunicação concorre para
dar forma à vocação missionária de toda a Igreja, e as redes sociais são, hoje,
um dos lugares onde viver esta vocação de redescobrir a beleza da fé, a beleza
do encontro com Cristo. Inclusive no contexto da comunicação, é precisa uma
Igreja que consiga levar calor, inflamar o coração.
O testemunho cristão não se faz com
o bombardeio de mensagens religiosas, mas com a vontade de se doar aos outros
«através da disponibilidade para se deixar envolver, pacientemente e com
respeito, nas suas questões e nas suas dúvidas, no caminho de busca da verdade
e do sentido da existência humana (Bento XVI, Mensagem para o XLVII Dia Mundial
das Comunicações Sociais, 2013). Pensemos no episódio dos discípulos de Emaús.
É preciso saber-se inserir no diálogo com os homens e mulheres de hoje, para
compreender os seus anseios, dúvidas, esperanças, e oferecer-lhes o Evangelho,
isto é, Jesus Cristo, Deus feito homem, que morreu e ressuscitou para nos
libertar do pecado e da morte. O desafio requer profundidade, atenção à vida,
sensibilidade espiritual. Dialogar significa estar convencido de que o outro
tem algo de bom para dizer, dar espaço ao seu ponto de vista, às suas
propostas. Dialogar não significa renunciar às próprias ideias e tradições, mas
à pretensão de que sejam únicas e absolutas.
Possa servir-nos de guia o ícone do
bom samaritano, que liga as feridas do homem espancado, deitando nelas azeite e
vinho. A nossa comunicação seja azeite perfumado pela dor e vinho bom pela
alegria. A nossa luminosidade não derive de truques ou efeitos especiais, mas
de nos fazermos próximo, com amor, com ternura, de quem encontramos ferido pelo
caminho. Não tenhais medo de vos fazerdes cidadãos do ambiente digital. É
importante a atenção e a presença da Igreja no mundo da comunicação, para
dialogar com o homem de hoje e levá-lo ao encontro com Cristo: uma Igreja
companheira de estrada sabe pôr-se a caminho com todos. Neste contexto, a
revolução nos meios de comunicação e de informação são um grande e apaixonante
desafio que requer energias frescas e uma imaginação nova para transmitir aos
outros a beleza de Deus.
Vaticano, 24 de Janeiro – Memória
de São Francisco de Sales – do ano 2014.
Franciscus